Caros fiéis, um ruído forte interrompeu minha meditação
nesta manhã. Passei algum tempo olhando para uma parede e ouvindo as formigas
gritarem... Minutos, horas, anos... na minha idade isso não importa mais. Em
outras encarnações teria me assustado ao notar as árvores mais altas, as
mulheres mais enrugadas e a decoração do mosteiro completamente mudada, hoje,
porém, o passar do tempo é como uma brisa agradável em meu rosto...
Virgens Etíopes, notando meu despertar, vem me trazer um
pouco de kefir feito de leite de Gnu e sinto o sangue voltar a circular em
minhas veias... Eu me distraio com suas formas sinuosas e noto que realmente
deve ter passado algum tempo desde que iniciei minha meditação.
Luana, uma brasileira que chegou ao mosteiro para dar aulas
de pompoarismo com apenas 15 anos de idade, entrou em meus aposentos
aparentando já ter 18... Ela me informa que tem 23 e que Cerveró deve delatar a
todos... Enquanto ela me alimentava com tâmaras, descobri que preciso ir ao
Brasil aprender a arte do desapego. Nem Sidarta manteria a calma diante do que
ela me contou...
Rapidamente, percebi que Cerveró é velho demais para conseguir
delatar a todos, pois precisaria falar durante mais de dez mil dias... Peguei
minha bola de cristal líquido e ela se encheu de imagens disformes: Cerveró,
Dilma, Ideli, Izabel Teixeira, Erenice... Um governo teratológico... A alma se
refletirá nos rostos, ou é justamente o contrário? Ah, se Hegel estivesse
aqui... Tenho saudade dos anos que passamos nos divertindo com as alemãzinhas e
falando sobre as relações dialéticas que existem entre a essência e a
aparência....
Luis Inácio, que nunca entendeu a vida aqui no mosteiro,
interrompeu meus pensamentos com um telefonema: voz trêmula, pediu que
explicasse novamente como usar o controle remoto da TV. Expliquei. Em seguida,
falou que estava tentando falar comigo há dias. Voz trêmula, disse que não
consegue achar a cachaça no triplex... Anda incomodado com a imprensa burguesa:
ela ataca o Cunha quando deve agradar e elogia o Cunha quando deve atacar. Fala
mal do Renan, fala bem do Renan, eles nunca entendem nada! Diz que só falta
falarem mal do PSDB que é o único partido que o apoia! Falo pra ele esquecer
essa história e vir passar um tempo no Nepal se desintoxicando, fumando uns cubanos
e convivendo com algumas companheiras tchecas, desconsoladas com o fim da socialização
dos meios de reprodução. “Companheiro, largue essa vida, desapegue, não há boca que não canse, não há rosca quentão queime!”
Respiro fundo, olho as odiosas cegonhas se chocando com os
moinhos de vento e vejo o sol se refletindo nas montanhas geladas... Fim de
outono, as cabras saltam entre as rochas... tudo normal no mosteiro.
Envio minha benção ao desapegado povo do país das araras
azuis e das contas vermelhas: Que a luz catódica os ilumine e excite, que o sol
doure os seus corpos e aqueça seus corações. Depois da lama vem o caos e depois
do caos a lama, mas tanto no caos, como na lama, sempre dá pra fazer uma boa
suruba de qualquer confusão!